
Autoria: Alberto Federman Neto, AFNTECH.
Revisto e Ampliado em 18 de Novembro de 2022.
1. INTRODUÇÃO:
No atual momento, no Mundo, dá-se importância aos cuidados ambientais, é interessante tratar os resíduos produzidos nos experimentos do laboratório Químico, e não descartá-los diretamente.
Nesta Nota Técnica, procedimentos são sugeridos para limpar vidraria e utensílios, sujos com resíduos químicos difíceis de remover.
Também cita-se a História da Mistura Sulfocrômica, cromatos, dicromatos e o metal cromo.
A imagem que ilustra este Artigo é uma antiga embalagem de trióxido de cromo, CrO3, anidrido crômico, óxido de cromo (VI). Marca: G. Mallinckrodt & Co. Saint Louis, Missouri, EUA, hoje é a Mallinckrodt Pharmaceuticals. Fonte da Imagem, ChemistryLand.
Essa substância era o principal componente ativo da “Mistura Sulfocrômica“, um antigo reagente de limpeza usado em laboratórios químicos, e hoje banida no mundo todo, por ser tóxica, , cancerígena e ter alto potencial poluente.
Assim o trióxido de cromo se formava na sulfocrômica, ao dissolver o dicromato de sódio ou potássio, no ácido sulfúrico:
K2Cr2O7 + H2SO4 = 2 CrO3 + K2SO4 + H2O
Substitutos menos tóxicos e menos poluentes da Solução Sulfocrômica foram estudados e sugeridos neste artigo.
2. HISTÓRIA DA MISTURA SULFOCRÔMICA:
Como me interesso por História da Ciência, comecemos pela História da Mistura Sulfocrômica , Solução Sulfocrômica, e outros agentes de limpeza, em Química.
O cromo metal, cromato, dicromato e trióxido de cromo, bem como as observações sobre várias cores mostradas pelos compostos de cromo, foram descobertos em 1797, links 2, 3, 4, pelo Químico e Farmacêutico Francês Louis Nicholas Vauquelin.
Citado por LAUGIER, Phil. Mag. 24, 3 (1806). Também citado por HAYES, A.A., Am. J. Scienc. Arts 14, 136 (1828). WILLIAMS, C.G.H., Proc. Roy. Soc. London, 21, 139 (1873). LAFOND, O. Ann. Pharm. Fr. 72, 221 (2014). WISNIAK, J. Rev. CENIC Scienc. Quim. 34, 47 (2003). Revisão: LUNK, H.J. ChemTexts, 1, 6 (2015) .
Vauquelin trabalhou com um minério de cromo, a Crocoita, ao qual chamava “Chumbo Vermelho da Sibéria” e que contém cromo. É um Cromato de Chumbo, PbCrO4. Nele, descobriria o Elemento, o metal Cromo, e muitos de seus compostos coloridos. E lhe deu o nome “Cromo” pelas muitas cores que podem se formar. VAUQUELIN, L.N. Ann. Chim. 21 (1798).
Como se pode ver, As cores dos compostos de cromo são bonitas:




O conhecidissimo e bonito equilíbrio, link 1, em condições básicas e ácidas, entre cromatos e dicromatos, e variando a cor, de amarela (cromato, CrO4–) a laranja (Cr2O7–, dicromato), foi estudado por um dos Pais da Físico Química, o Químico e Filósofo Alemão Friedrich Wilhelm Ostwald , embora fosse conhecido antes, observado e descoberto pelo famoso Químico Alemão Julius Lothar Meyer, professor de Ostwald e de outros.
Referências: OSTWALD, W. Zeit. Phys. Chem. 2, 78 (1888). EWAN, T. Lond. Edin., Dub. Phil. Mag. 33, 317, (1892).
Dicromatos, antigamente chamados bicromatos, já eram bem usados como oxidantes em Síntese Orgânica, no século XIX, Exemplo: JAPP, F.R.; WILCOCK, E. J. Chem. Soc. Trans. 37, 66I (1880). Principalmente após começarem a ser fabricados industrialmente e estarem disponíveis comercialmente. BOOTH, J.C. Patente Americana, US9853A (1853) .
Após a fabricação em larga escala industrial do dicromato de potássio, a partir de minerais de cromo, começou-se a usar sulfocrômica, como oxidante, nos anos 20. COURTOT, C.H.; PIERRON, J. Compt. Rend. Seanc. Acad. Scienc. 188, 1501 (1929).
Mas seu uso em limpeza de vidraria só foi muito popularizado no mundo a partir dos anos 30-40. HENRY, R.J.; SMITH, E.C. Science, 104, 426 (1946) . SOUTO, A.B.; RODRIGUES, C. Rev Inst, Adolfo Lutz 3, 112 (1943). BOBTELSKY, M.; SIMCHEN, A.E. J. Am. Chem. Soc. 64, 454 (1942). LAUG, E.P. Ind. Eng. Chem. An.. Ed. 6, 111 (1934).
3. SUBSTITUTOS CLÁSSICOS DA MISTURA SULFOCRÔMICA:
Como vimos, a mistura sulfocrômica está praticamente banida, por ser tóxica e muito poluente.
Mistura Sulfopermangânica:
Desta forma, sucedâneos ou substitutos são desejáveis.
Permanganato de potássio dissolvido em ácido sulfúrico (Mistura Sulfopermangânica) tem sido sugerida, já a vários anos, como oxidante, para inativar produtos tóxicos, e para limpar vidraria. MORROW, J.L. ; PERLMAN, S. Inorg. Chem. 12, 2453 (1973). CASTEGNARO, M. Et Al. Am. Int. Hyg. Assoc. J. 46, 187 (1985). BAREK, J.; BERKA, A.; SKOKANKOVA, H. Microchem. J. 29, 350 (1984).
Mas agora é considerada tóxica, mutagênica e poluente também. DE MÈO, M.; LAGET, M.; CASTEGNARO, M.; DÚMENIL, G. Mut. Res. Genet. Toxicol. 260, 295 (1991).
Mas tem outras desvantagens do meu ponto de vista… O permanganato de potássio é bem mais caro do que o dicromato.
Além disso, a preparação da mistura sulfopermangânica , a não sem em pequenas quantidades, é perigosa. Ela contém o anidrido permangânico, Mn2O7, uma substância instável e potencialmente explosiva. Link 1 . 2. 9.
KMnO4 + H2SO4 = KHSO4 + HMnO4
2 HMnO4 = Mn2O7 + H2O
O Anidrido permangânico foi descoberto pelo Químico Alemão Herman Aschhoff, em 1860. ASCHHOFF, H. J. Prakt. Chem. 81, 29 (1860) . Link 3. ASCHHOFF, H. J. Prakt. Chem. 81, 401 (1860). TERREIL, M.A. Am. J. Pharm. 408 (1862).
Mistura Piranha:
Desenvolvimento bem mais recente, alguns autores recomendam, para limpar a vidraria, a “Mistura Piranha“, Link 4. uma mistura de ácido sulfúrico e água oxigenada concentrada.
Ela contém o ácido persulfúrico, ácido peroximonosulfúrico, chamado “Ácido de Caro”, H2SO5, descoberto pelo Químico Prussiano-Germânico Heinrich Caro. CARO, H. Zeit. Angew. Chem. 11, 845 (1898).
H2SO4 + H2O2 = H2SO5 + H2O
Essa mistura é ainda mais perigosa! Além de atacar qualquer material orgânico, inclusive plásticos… Ela é perigosa ao ser preparada, pode explodir sozinha, se estocada e não pode ser usada para sujeiras de solvente orgânico. Certamente vai explodir.
Não se deve estocar a solução no laboratório, pode explodir sozinha! Links, 6, 7, 8. Já ocorreram explosões. Link 9.
Todo cuidado é pouco, com “Solução Piranha”, Link 5,
Outros autores recomendam o Nital, uma mistura de álcool comum e ácido nítrico. Outra mistura perigosa…
Por que usar uma solução que pode explodir ao fazer, estocar ou usar para limpar a vidraria? Por isso, não recomendo seu uso, melhor evitar!
3. SUBSTITUTOS QUE RECOMENDO:
Neste outro Artigo, mais procedimentos para limpar vidraria. Lembrando, no Artigo, para a lavagem normal, prefiro mais o sabão do que o detergente.
Para evitar a poluição da mistura sulfocrômica, e os riscos da mistura sulfopermangânica e da solução piranha, eis o que costumo recomendar.
Sabão em Pó:
Algumas vezes, o sabão em pó pode resolver. Era muito usado nos laboratórios do Instituto de Química da USP.
Sapólio:
As sujeiras aderidas podem ser removidas usando um abrasivo leve, com partículas de areia fina. Use uma esponja e um saponáceo em pó, tipo “Sapólio Radium“.
Solventes:
Você pode tentar limpar o resíduo da vidraria, se ele for orgânico e solúvel, com um solvente. Por exemplo com álcool. Evite o éter (muito inflamável), clorofórmio (muito tóxico), metanol (venenoso).
Se precisar de solvente pouco polar ou apolar, muitos usam o hexano, mas o ponto de ebulição é muito baixo. Eu gosto mais de usar o querosene e a Aguarrás, aquela de pintura. São baratos e bem menos voláteis que o hexano.
Se precisar de solvente mais polar que o álcool, pode tentar a acetona (no vidro, pois ataca os plásticos). Acetona é relativamente pouco tóxica. Aquela vendida paqra remover esmalte de unhas é diluída com álcool, mas é adequada. ela é 60 % ou mais diluída.
Recolha os resíduos de solvente em uma garrafa de resíduo.
Ácidos:
Quando precisar ácido para limpar a vidraria, eu sempre tento primeiro com ácido nítrico concentrado e puro. Dissolve muitas sujeiras, inclusive metais de transição que mancham vidro, como o ferro.
Quando o ácido nítrico puro não resolver, tente com ácido sulfúrico concentrado.
Se ácidos puros não resolverem, experimente com uma mistura sulfonítrica de 3 volumes de ácido sulfúrico e um volume de ácido nítrico. Em último caso, a Água Régia, uma mistura de 3 volumes de ácido clorídrico e 1 volume de ácido nítrico.
A Água Régia precisa ser usada em ambiente ventilado, já que os vapores são tóxicos. Ela é uma mistura de cloro e cloreto de nitrosila, Dissolve metais e muitas sujeiras orgânicas.
HNO3 + 3 HCl = NOCl + Cl2 + H2O
Soluções Alcalinas:
Uma solução boa para limpar sujeiras orgânicas muito aderidas. Hidróxido de potássio alcoólico 10 %. FEDERMAN NETO, A. (2018).
Também essas soluções são recomendadas por outros Químicos. WILL, J.W. J. Chem. Educ. 60, 304 (1983). POLONINI, H.C.; GROSSI, L.N.; FERREIRA, A.O.; BRANDÃO, M.A.F. Rev. Scienc. Farm. Bas. Aplic. 32, 1 (2011). XIAO, Y.N.; FU, S.F.; LI, L.I. Adv. Mat. Res. 1033, 471 (2014).
Suspenda 100 g de hidróxido de potássio em 1 litro de álcool comum, mas forte, 95 ou 96 G.L., Deixe em repouso, com agitação ocasional, até dissolver.
Estoque em frasco fechado. O hidróxido concentrado ataca o vidro, lentamente, por isso, como mostrei nesse artigo, melhor usar um frasco plástico.
Experimente usar um frasco de polietileno ou polipropileno. Descobri incidentalmente, que mesmo o PET (polietilenoglicol tereftalato) é atacado pelo hidróxido de potássio alcoólico. De fato, encontrei reportado esse ataque alcalino, em literatura. ARIAS, J.J.; THIELEMANS, W. Green Chemistry 23, 9945 (2021). HU, L.C.; OKU, A.; YAMADA, E.; TOMARI, K. Polym. J. 29, 708 (1997).
Com a armazenagem, a solução fica amarela (formação de polímeros de acetaldeído), mas não perde sua eficiência.
Em meus testes, soluções hidroalcoólicas de hidróxido de sódio, são menos eficientes.
Lembrando ao leitor do artigo que as soluções ácidas e alcalinas, antes de serem descartadas na pia, precisam ser neutralizadas. Para as soluções ácidas, use o bicarbonato de sódio, ou o carbonato de sódio de piscina. Para as alcalinas, dilua com água e neutralize, Pode usar ácido muriático (ácido clorídrico industrial).
História dos Álcalis e das Soluções Alcalinas. Alkahest, Paracelso, Van Helmont e Blankaart:
Um pouco de História…. As soluções de hidróxido de potássio alcoólico são usadas a muito tempo, como reagentes na análise de óleos, resinas e gorduras. KONINGH, A.D.E. Analyst, 14, 61c-65 (1889). BRACCONOT, M.H. Med. Phys. J. 25, 320 (1811). LANE, N.J.J. Am. Chem. Soc. 15, 110 (1893).
Mas o famoso Cientista Inglês Michael Faraday, usou hidróxido de potássio alcoólico para limpar vidraria… FARADAY, M. Phil. Trans. Roy. Soc, London, 147, 145 (1857).
Essas soluções alcoólicas alcalinas, remontam ao “Alkahest“, “Álcali Salino” solvente universal, CALIFANO, S. “Pathways in Modern Physics” (2012). ROOS, A.M. Osiris, 29, 81 (2014).
Teorias de 2 Médicos e Alquimistas: O Suíco Paracelso, Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus Von Hohenheim . PARACELSUS, “Tractatus de Viribus Membrorum Spiritualium.”, Págs 15, 16 e 21 (1572); e o Belga Jean Baptiste Van Helmont. Veja: PRINCIPE, L.M.”The Secrets of Alchemy.” Editora da Universidade de Chicago, Chicago, EUA, Pág. 134 (2013). VAN HELMONT, J.B.; LLOYD, L. (Tradutor e Comentarista) “Van Helmont’s Workes.” Londres, Inglaterra, Págs.: 104, 146, 329, 469, 478, 811, 824, 901 e 1163 (1664).
O “Alkahest” como medicamento e reagente, foi associado às soluções alcalinas “modernas”, pelo Médico, Alquimista e Iatroquímico Holandês Stephan Blankaart , em 1700. BLANKAART, S.; DIGBY, K.; “Theatrum Chimicum….” Gráfica Ben Thomas Fritsch, Leipzig, Alemanha, Págs: 55, 134, 308 etc… (1700).
Essas soluções de “Álcali Sal”, ou mesmo de sabões, foram tentadas em Medicina Antiga, para dissolver cálculos renais…. RUTTY, J.; JURIN, J. (Experimentos); HALES, D. (Experimentos e Comentários); MANBY, R. (Editor), “An Account of Some New Observations of Joanna Stephens Medicine for The Stone.” Londres, Inglaterra, (1742).
Ao nível da Química moderna, óbvio que as soluções alcalinas dissolvem muitos resíduos, mas não são “Solventes Universais”, como se acreditava ser o Alkahest, no tempo da Alquimia.. Se trata de um conceito Filosófico.
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